(o Bambu – “forte e frágil”, como o meu amigo)
A um Amigo…
Comove-me a
velhice e quando penso nisso, nem sei explicar bem porquê.
Talvez por ela
conter muita inocência e fragilidade, tal como a infância.
Costumam dizer-me a brincar,
os que melhor me conhecem, que atraio especificamente três tipos de pessoas:
“as crianças, os velhos e os loucos”.
Há bastante de
verdade nesta minha propensão, sem que haja qualquer esforço da minha parte para
provocar os acontecimentos. Mas o certo é que há uma simpatia mutua, que se manifesta
quase sempre em sorrisos.
Tenho um amigo
simpático com uma idade acima dos oitenta, que me desperta sorrisos sempre que
o encontro.
Vejo-o amiudamente, nas minhas deslocações diárias para o emprego.
Lá está ele de pé junto ao portão, dobrado sobre a sua bengala, "espiolhando" os
poucos carros que por aquela ruela passam, enquanto espera a sua boleia para o
centro de dia.
Os nossos
encontros são frequentes e reduzem-se a alguns minutos. O ritual repete-se como
se fizesse já parte de uma parceria estabelecida entre nós.
Ele avista o meu
carro e o sorriso enche-lhe o rosto, posso jurar que também lhe ilumina os
olhos, tenta erguer a mão livre a tremelicar, como quem tem o poder de me parar
o carro.
Encosto sempre o
mais perto possível, mas os poucos passos que nos separam são feitos num
cambalear desajeitado, num cai-não-cai, que me faz repetir todas as vezes as
mesmas frases:“devagarinho amigo, muito cuidado para não cair…não tenha pressa
que eu espero…”.
Mas ele com a sua “sabedoria de velho” sabe
que a vida é feita de correria e tenta rápido alcançar a janela aberta, pois
sabe que são poucos os minutos que lhe reservo.
Também são sempre
iguais as suas frases e ouvirei amanhã, o que ouvi hoje, ontem e em todos os
nossos encontros ao longo destes últimos anos…
“Olha a minha grande amiga…estava aqui à tua
espera, gosto sempre de te ver, és linda e sempre foste muito minha amiga. Não
podemos demorar muito a conversar, para não chegarmos atrasados ao trabalho”.
Sempre estes mimos pela manhã, enquanto me
segura as mãos.
A seguir vem o seu rosário de queixas, o
joelho que lhe dói e o impede de andar, o não poder ir à caça como antes… e as
lágrimas que correm tão espontâneas quanto o sorriso.
A princípio a
filha receava que ele me incomodasse e vinha tentar arranca-lo à janela do
carro – mas ao longo do tempo foi percebendo que o prazer é reciproco.
Outro dia
contei-lhe que conheço o pai há muitos anos, que costumávamos conversar muitas
vezes, quando ele passava à minha porta para ir caçar.
Também lhe disse
que ficámos amigos há trinta e tal anos, no dia em que ele com o seu grande
sorriso, genuíno como sempre foi, me deu um abraço e me disse meio embargado:
“Gostava tanto que fosses minha filha – não
que eu não goste da minha filha, mas gosto de ti como de uma filha”. Repetiu-mo
outras vezes.
Foi das frases
mais lindas que alguém me dirigiu até hoje.
Bem sei que o meu
velho amigo hoje já não sabe de onde me conhece, nem se lembra de quantas
conversas tivemos, mas isso não importa, pois com a sua simplicidade e
inocência, continuará a fazer-me comover, todas as vezes que me diz “sempre
gostei de ti”.
Dos nossos encontros casuais, durante estes trinta e tal anos, dou e trago sempre sorrisos.
Benvinda Neves
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