Quando
for Velha…
“Um dia ainda hás-de ser a minha querida,
sempre gostei de ti. Gosto de ti porque estás sempre a sorrir, sempre te
conheci assim” – diz enquanto me afaga o braço, com o seu grande sorriso e os
olhos brilhantes, como se rissem também.
Está feliz porque continuo a parar o carro
para lhe dar os bons dias e lhe fazer umas festinhas no rosto encarquilhado dos
seus 80 e muitos anos de vida.
Corada de constrangimento a filha, que o
segura por um braço, pede desculpa “não ligue, isto é da idade – olhe que ele é
muito malandro”.
Mas o embaraço da filha não lhe quebra a
linha de pensamento, “ um dia destes, quando o tempo melhorar, havemos de ir à
caça. Vamos os dois de mãos dadas, por esses campos fora”.
Digo-lhe que sim, que vamos esperar pelos
dias bonitos e que havemos SIM de ir os dois passear pelos campos.
Mais
um bocadinho de conversa e despeço-me pois tenho que ir trabalhar. Ele fica
feliz a dizer-me adeus e eu parto com o sorriso com que me contagia sempre que
o encontro.
A velhice é como ter pássaros presos por
vontade própria, na gaiola do nosso peito. Abrimos-lhe a porta, mas eles não
querem voar. Ficam e encantam-nos com o seu cantar.
Enchem
a alma de sonhos e constroem histórias que misturam de memórias e desejos.
Os velhos, tal como as crianças, não
aprisionam os sentimentos, cantam-nos na musicalidade das suas palavras simples
e deixam que transborde o que lhes enche o coração.
Quando for velha quero ter a minha gaiola
repleta de pássaros livres que fiquem porque desejam e não porque lhes feche a porta.
Quero ouvi-los cantar todo o dia e dizer a
toda a gente como gosto de sorrisos, como sempre gostei.
Quero que eles me contem
histórias cheias de sonhos e memórias.
No final do percurso, quando estiver pertinho
do fim, quero ouvir alguém dizer-me “sim, quando o tempo estiver melhor, havemos
de percorrer os campos de mãos dadas” – e sorrir.
Benvinda Neves
Junho 2014
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