(com os meninos guias da Rocinha)
que a falta de amor-próprio...
Um corpo com apresentação desleixada é como uma casa suja e desarrumada.
Sempre me fez confusão pessoas que saem de casa sem a mínima preocupação com a higiene pessoal e com a aparência - mas sobretudo com o asseio do corpo e da roupa que vestem.
Ontem encontrei uma vizinha que não via há alguns meses e apesar da alegria que tive em abraça-la, não pude deixar de reparar no ar tão desmazelado que trazia.
Andar na rua com o cabelo despenteado a pingar óleo, as roupas cheias de nódoas e amarrotadas e uns chinelos que deveriam estar no lixo há muito tempo - deixou-me a pensar que há pessoas que não têm auto-estima nenhuma. É uma mulher muito bonita, a quem bastaria um ar "lavadinho" para cativar olhares de apreciação.
Muitas vezes há tendência para confundir pobreza com limpeza - quando não estão associadas, a não ser pela preguiça e desleixo.
Foi mais uma das boas coisas que me foram ensinadas na minha "educação SOS"- "pode ser-se pobre e limpo e rico e sujo - porque não é o estrato social que determina o cuidado que devemos ter com o nosso corpo ou com o lugar que habitamos.
Quando éramos garotos e vivíamos na Aldeia SOS, fazíamos visitas esporádicas ao bairro de barracas situado lá perto, chamado "Fim do Mundo".
O objectivo era ajudar partilhando o que nos era dado e ao mesmo tempo educar-nos para termos noção que a vida pode não dar as mesmas oportunidades a todos, mas que quando nos é dada a oportunidade devemos ser gratos e não esquecer quem vive pior que nós.
Essas visitas incluíam sermos recebidos nas várias habitações e podermos observar as condições em que viviam as diferentes famílias. Não nos era permitido fazer comentários no local, mas quando regressávamos a casa havia dialogo com lições e conclusões a tirar.
Aconteceu num dos dias entrarmos numa casa impecavelmente limpa e noutra que era uma completa lixeira. Aprendemos assim que se pode viver lado a lado, partilhar a mesma condição social e escolher ter ou não dignidade.
Numa visita ao Rio de Janeiro (cidade linda cuja natureza foi abençoada pela beleza Divina),vi ruas cheias de meninos pedintes, que não conhecem lar e surpreendeu-me a quantidade de paisagem ocupada pelas favelas - não tinha consciência que fosse uma extensão tão grande.
Surgiu a oportunidade de visitar a Rocinha (na altura a maior favela da América do Sul) e foi "uma viagem ao passado" e às lições que me ficaram para a vida.
Fui invadida por todos os sentimentos que me formam como ser humano - dor, alegria, admiração, revolta...um misto que nos nasce na alma, quando conversamos com meninos que são mais "adultos que nós". Que nos dizem nos olhos que sabem que as nossas lágrimas e lamentos são o "momento presente", porque no dia seguinte a vida deles em nada mudou - apenas o dinheiro que damos para a visita contribui para que alguns tenham melhores estudos.
Todas as casas que visitei na Rocinha eram limpas e cuidadas - e mesmo as que só era possível ver o interior com a luz acesa, por não terem janelas, ainda assim tentavam ter o aspecto de "lar".
Qualquer daqueles meninos tinha a aparência cuidada e um sorriso aparentemente igual ao de todas as crianças - diferenciava-os o falar.
Gravei na memória o orgulho, do tamanho de uma fortaleza, com que conversavam sobre o final do liceu ou da universidade que uma frequentava. Com o mesmo orgulho falou ela do pai, que dizia nunca ter saído da favela e ter escolhido ser advogado dos pobres.
Importa nunca esquecermos de onde viemos, para saber quem somos, mas não há pobreza que aprisione mais que a falta de amor-próprio.
A nossa aparência revela quem somos e o que sentimos.
Há pessoas que ficam presas nas lamurias do passado e arrastam a vida inteira uma pobreza que ficou lá dentro e que necessitam mostrar através do seu aspecto.
Quem perde o amor-próprio, perde o orgulho e a dignidade - nunca será grato à vida, porque nem repara que esta lhe dá oportunidades todos os dias.
(Rocinha)
Benvinda Neves
Junho 2014
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