Natal é dar…
Não gosto de pessoas
“amargas”. São pessimistas e tão insatisfeitas que reclamam do bom e do mau.
Lidar durante muitos momentos com essas pessoas, faz-nos mal, deixa-nos
desconfortáveis e transmite-nos uma carga negativa, que nos contagia de
tristeza.
Por norma, não fazem parte
do meu núcleo de amigos, pois não me sinto atraída por esse tipo de
personalidade.
Mas infelizmente às vezes
involuntariamente cruzamo-nos com pessoas assim – confesso que me deixam uma
sensação de mal-estar. Apetece dizer aquela velha frase “gente que reclama de
barriga cheia”.
Entristece-me ouvir tanta
gente dizer que o Natal é hipocrisia e que é a data que menos gostam. Que me
perdoem a franqueza, mas pelo que me tem sido dado analisar, são por norma
pessoas egoístas que vivem para o seu pequeno mundo e no dia-a-dia se esquecem
que há um universo inteiro onde estamos inseridos e em que é nossa obrigação
participar. Reclamam porque o mundo não lhes dá mais, mas nunca se interrogam
qual o contributo que dão.
Adoro a época de Natal –
pelo significado especial que tem a palavra “dar” nesta que é uma festa de
Família e Amor.
“Dar
“ tem um significado tão grande, que poderia ser considerado o maior dos
sentimentos, pois quem dá, recebe todos os outros sentimentos em troca.
Esta é uma altura em que
por brincadeira costumo dizer que gostava de ser muito rica – teria de certeza
uma lista com muitas páginas de nomes a quem quereria oferecer presentes.
“Dar” sempre foi
para mim um enorme prazer.
Penso que este “prazer”,
pode ou não nascer connosco.
Mas como em tudo o resto,
é também uma forma de sentir e pensar que se adquire com a educação.
Torna-se depois parte da
nossa personalidade e acompanha-nos o resto da nossa vida.
Só os mais chegados sabem,
mas já fui muito pobre e quando digo muito é sem exagero.
Muitas foram as vezes que
vi a minha mãe chorar por não ter nada para dar de comer aos filhos.
Muitas e muitas foram as
vezes que nos deitámos sem ter tido uma única refeição ao longo de todo o dia.
Muitas foram também as vezes
que a única comida em casa foi trazida por mim, que com cinco de idade,
começava de manhã a bater de porta em porta a perguntar quem precisava que
fosse à mercearia. Levava a lista e o dinheiro que me confiavam, fazia os "avios" que entregava com o troco. Como paga do meu trabalho recebia um pacote de
leite, um pão ou um iogurte, que orgulhosamente corria a entregar em casa. Nos
dias melhores conseguia uma couve, com que a minha mãe fazia uma panela de
caldo que comíamos com pão.
Mas mesmo tão pobres, esse
caldo ou um naco de pão, foi algumas vezes dividido com um sem-abrigo que nos
batia à porta de vez em quando.
Lembro-me de um dia ter
questionado a minha mãe, por darmos quando nunca tínhamos e ela ter-me feito
ver que se dávamos era porque tínhamos e que é sempre obrigação dar a quem
ainda tem menos que nós. “Filha, quando se tem, divide-se, porque é sempre
Jesus que nos bate à porta”. Era verdade que só dividíamos quando tínhamos,
pois houve dias que o pobre homem nos bateu à porta e não tínhamos nem para nós
nem para ele – cheguei a vê-lo chorar ao mesmo tempo que a minha mãe.
Depois da morte da minha
mãe, quando fomos para a Aldeia SOS, deixámos de ser tão pobres. Havia comida a
todas as refeições na mesa e tínhamos roupas e sapatos. Mas a surpresa maior
foi receber presentes no Natal.
Na Aldeia não queriam
que fossemos educados a pensar que agora que tínhamos tudo já não precisávamos
pensar nos outros.
Sempre nos vestimos com
roupas e calçado usado que nos ofereciam.
Eram assíduas as nossas
visitas ao longo do ano às barracas do “Bairro do Fim do Mundo”, que ficava
perto da Aldeia.
Levávamos roupas das que
nos eram oferecidas e os adultos faziam-nos ver que havia meninos com menos
sorte que nós, que tínhamos uma boa casa.
Na altura do Natal
retirávamos dos nossos presentes um dos brinquedos que levávamos aos “meninos
das barracas”.
Lembro-me que no meu
primeiro Natal com presentes, não achei nada justo ter que ir oferecer
precisamente o brinquedo que eu mais gostei – uma boneca, quando nunca tinha
tido nenhuma.
Mas eu era honestíssima e
tinham-me dito que só tinha valor a minha oferta se fosse um presente que eu
achasse importante e aquele era o único de que gostava mesmo.
Nessa noite quando a casa
já estava toda às escuras, com a cabeça tapada, chorei por a boneca não ter
ficado para mim.
A mãe SOS da altura deu
por isso e conseguiu que no fim de conversarmos eu sentisse um orgulho enorme
no meu gesto – acreditei mesmo que Deus sabia e estava contente comigo e que esse
era o verdadeiro espírito de Natal.
Ao longo da vida não perdi
este valor precioso que me foi transmitido. Nunca até ao presente recebi um
salário, que não tenha partilhada parte em prol de alguém que mais
precise.
Acredito que a vida só faz
sentido quando sabemos partilhar.
O dinheiro só tem
importância se com ele conseguirmos obter felicidade – não seria capaz de me
sentir feliz se vivesse indiferente aos que me rodeiam.
“Dar” não é coisa que se
deva fazer uma vez por ano, pois tal como se ouve dizer muitas vezes, o “Natal
deve ser todos os dias”.
Da mesma forma que
celebramos uma vez por ano o nosso aniversário, embora façamos “tempo de vida,”
todos os dias, assim também devemos festejar o dia em que por excelência
celebramos o Amor aos outros.
Não duvido que esse dia só
pode ser o dia de Natal, o dia da Natividade, o dia da família.
Podem ser insignificantes
as nossas lembranças, mas quando entregues nas mãos de alguém, essa pessoa tem
a certeza que nos lembrámos dela.
É maravilhoso o sorriso de
uma criança que recebeu um brinquedo, por muito simples que seja.
Na véspera de Natal
costumo ficar o dia inteiro na cozinha, a fazer arroz-doce, mousse de chocolate
e queijadinhas, que distribuo depois porta a porta por conhecidos que sei têm
menos que eu.
Podem parecer presentes de
menor valor, mas há anos e anos que volto para casa com o coração feliz pelos
sorrisos que recebo em troca.
Só quem nada quer
partilhar é que não sente e não sabe o que é o Natal.
Tempo de “dar” é todos os
dias, mas o dia em que celebramos a importância que tem para nós esse misto de
sentimentos é o dia de Natal.
Adoro este dia e todo o
Amor que lhe está associado.
Como dizia a minha boa
mãe, “não há nada que a gente tenha que não possa ser partilhado, pois há
sempre quem tenha menos que nós”.
Feliz Natal a todos.
Benvinda
Neves
Dezembro
2013
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