O que mete medo,
não é envelhecer...
Envelhecer é um processo natural,
que aceitamos por natureza.
Vamo-nos habituando à imagem no espelho...
hoje o cabelo mais branco, amanhã uma ruga,
depois a pele seca, as manchas do sol,
os músculos cada vez menos firmes
e as peles mais flácidas.
O físico vai mudando num processo continuo
e um dia tomamos consciência que estamos mais lentos,
que já só corremos quando é preciso,
que gastamos mais tempo a apreciar
e que a paciência ficou proporcional
à importância das coisas.
Apesar de todas as mudanças,
nem por isso gostamos menos de nós
e acima de tudo apreciamos viver.
Envelhecer não mete medo,
o que mete medo é a demência...
Um dia olhando a imagem que tinha acabado de lhe tirar,
disse-me: "filha, porque estás a dizer que sou eu?
Essa não sou eu, não sou assim".
Outra vez fiz a surpresa de a visitar com a mana
que ela não via há uns anos, porque mora na Dinamarca
e ela a sorrir disse-me: "ai que menina tão linda
que trazes hoje contigo. Quem é esta menina?
Para desgosto da minha irmã,
não a reconheceu, quando foi ela que a criou.
Tem dias que chora como um bebé,
só porque quer ir dormir a sesta,
ou bate palminhas e canta quando lhe damos um presente.
Tem alturas que não sabe onde está,
apesar de já ali morar há muitos anos.
Às vezes repete vezes sem conta
a ultima frase que lhe ficou na cabeça,
e atormenta-se nos medos...
Medo de cair, medo de ser abandonada, medo de comer,
medo de andar, medo de tudo...
Há uns anos que sabemos
que a mãe Helena tem Alzheimer
e que a doença é progressiva
e lhe vai roubando a identidade.
Ainda me reconhece e ao mano Francisco,
porque a visitamos mais vezes.
Nos dias bons, como o de ontem,
porque se recusa a sair,
descrevo-lhe o mar...
tão azul esverdeado, calmo como um lago,
tão lindo... que a mãe iria adorar poder vê-lo
e ela aceita ir passear.
Rouba umas horas à sua loucura
e fica ali sentada a olhar o mar
e a dizer : "é lindo como tu disseste..."
Um dia destes ela não saberá quem somos,
mas triste mesmo
é ela não saber quem é.
Envelhecer não mete medo,
mas a demência aterroriza...
Benvinda Neves
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