quinta-feira, 29 de maio de 2014

Recordações da Infância SOS...

Foi-me sugerido o tema...

Recordações da Infância SOS:

Os momentos que deixaram maiores recordações da minha Infância na Aldeia de Crianças SOS, foram precisamente os momentos “comunitários” – aqueles em que as actividades eram desenvolvidas com o envolvimento de todos nós.
Penso que seja um aspecto comum à maioria, pois quando nos reencontramos (ex-residentes da mesma época), as conversas acabam invariavelmente em momentos comuns e há coros de gargalhadas a acompanhar a descrição de cada pormenor desses tempos.

Dessas recordações destaco:

As férias no Acampamento do Meco:

As férias grandes desde que foi criado o acampamento na Aldeia do Meco, passaram a ser uma altura muito desejada.
Confesso que antes disso o espírito não era o mesmo, pois no mês de Agosto íamos para colónias de férias e eu tinha sempre o grande receio que tivéssemos que ficar por lá e não voltássemos para a nossa Aldeia SOS. Embora os adultos se empenhassem em explicar-me que era só para férias, tinha sempre um medo terrível que assim não fosse, era uma angústia enorme que me levava a ficar doente – pois com 7 anos já sabia que os adultos mentem.
Mas quando foi criado o Acampamento, tudo mudou, sabíamos que pertencia à Aldeia SOS, sentíamo-lo nosso – passei a desejar muito que viessem as férias para podermos estar todos juntos nas tendas-gigantes fornecidas pelo exército.
Depois das tendas dos primeiros anos, vieram as casas pré-fabricadas – mas não diminuiu a sensação de liberdade que aquele espaço no meio do pinhal, nos proporcionava.
Era um mês de correrias, praia, jogos, leitura, apanha de camarinhas, pinhões e de serões ao ar livre com fogueiras, cantigas e muitas estrelas.
Ainda hoje digo que não há noite com céu mais estrelado e mais lindo que o do Meco.
Todos falamos com saudade e um grande sorriso das férias no Acampamento - adorávamos.



Férias em Caldonazzo:

Dois anos seguidos, foi-nos dada a grande oportunidade de passar um mês das férias grandes em Caldonazzo, Itália. A Associação Internacional das Aldeias SOS tem aí uma colónia de férias, onde reúne crianças das várias nacionalidades.
No primeiro ano fomos rapazes e raparigas, no segundo ano, penso que por questões logísticas ou financeiras só foram os rapazes.
Mas foram férias inesquecíveis, tanto a nível de preparativos, como de estadia, por ter sido o nosso primeiro contacto com crianças de países diferentes.
Tiveram que ser assegurados todos os nossos boletins de saúde, por isso todos tivemos “check-up” geral no mês anterior à partida. Tínhamos uma lista com a roupa que cada um deveria levar, roupa que foi toda bordada com as iniciais dos nossos nomes.
Malas feitas e excitadíssimos, partimos para a grande aventura de uma viagem de comboio que durou 3 dias e duas noites – no Sud-express.
A primeira grande diferença surgiu assim que chegámos e cada um teve que fazer a sua cama – tarefa que estávamos habituados nas nossas casas. Gargalhada geral das outras crianças da camarata, porque não sabíamos fazer cama com édredon e capas – nunca tínhamos visto tal coisa, pois por cá em 1972 só se usavam lençóis e cobertores.
Tudo era novo, desde as diferentes línguas que ouvíamos à nossa volta, à comida que era típica da Áustria e todo o ambiente de descontracção vivido na comunidade – muito mais aberta que a nossa.
Convivemos mais de perto com os meninos Espanhóis e Italianos, por os adultos entenderem que as linguagens seriam fáceis entre nós – partilhávamos as mesas e também muitas brincadeiras. Foi muito fácil fazermos amizades e depressa nos apaixonamos por aquela vida boa de férias cheias de actividades divertidas.
De tal modo gostámos que todos queríamos que o tempo de férias fosse prolongado.
Na despedida houve lágrimas entre abraços e beijos e a promessa de voltarmos todos no ano seguinte.

(o mano Chico e eu nos nossos primeiros passaportes)


Biblioteca e Jornais de Parede:

Havia na nossa Aldeia de Bicesse uma biblioteca (que ainda existe) onde exercíamos algumas actividades em conjunto. Tínhamos hábitos de leitura – os livros eram levados e trocados com regularidade e haviam depois pequenos prémios e grandes elogios para os melhores resumos.
Também fazíamos às vezes alguns debates sobre os temas lidos – como as aventuras dos 7 e dos 5, que acompanhámos também mais tarde na TV. Ainda hoje mantenho esse bom hábito de ler e escrever – gosto imenso.
Surgiram jornais de parede escritos e ilustrados por nós, onde todos queríamos participar com histórias que relatavam as nossas aventuras em comunidade, com grande destaque para as férias que todos apreciávamos de forma especial.
Estes jornais tiveram sempre grande importância, pois podíamos desenvolver a nossa capacidade critica e analítica ao mesmo tempo que eram um estímulo para o ego – pois eram sempre muito apreciados e elogiados pelos visitantes.
Hoje a nossa biblioteca além dos livros tem os computadores com a ligação à internet – muito mais procurados que os livros, como é óbvio.


(numa das nossas revistas SOS - recordada pelo amigo Paulo Albuquerque no Grupo dos Ex-residentes)


(aqui muito envergonhada mas orgulhosa a receber os parabéns por um dos meus artigos)


Dois Momentos especiais de brincadeira:

Quando foi construída a piscina na casa comunitária.

 Todos adorávamos os momentos dentro de água e como é normal, aquilo que era uma delícia para nós, era uma preocupação para os adultos que tinham que nos vigiar, com medo que nos afogássemos.



Quando a “Vilar” (que foi o 1º fabricante nacional de bicicletas) nos ofereceu uma bicicleta a cada um.

As nossas roupas, calçado livros e brinquedos eram sempre usados, provenientes de doações. Além disso iam passando dos mais velhos para os mais novos, com mais uma costura e a roupa estava apta para o próximo. Para miúdos que nunca tinham tido nada novo, aquelas bicicletas eram duplamente mágicas – “novinhas em folha” e nossas.  
Lembro-me que a primeira curva que fiz a sério com ela e que tive a percepção que ia cair, atirei o joelho, que ficou todo esmurrado, para debaixo da bicicleta para que esta não riscasse a pintura quando embateu no chão.


(imagem da Net – igualzinha à bicicleta que me ofereceram)


Benvinda Neves / Maio 2014

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