(Cabo Girão - Ilha da Madeira)
Não sou nada valente – sou exactamente o que se chama “menina
medricas”.
Era assim que injuriosamente na primária chamávamos os menos afoitos.
Todos os rapazes receavam este “mimo”- nem as meninas queriam ser assim
tratadas.
Na nossa sociedade sempre venceu a lei do mais forte – e essa é a razão
por que aprendemos a esconder desde cedo as nossas fragilidades.
Não sou adepta de desportos radicais, o mais radical que consegui fazer
até 2004 foi andar na montanha-russa do Tivoli em Copenhaga – considerada na
época a maior da Europa. Não sei bem como me conseguiram convencer,
mas a experiência foi de tal ordem “emocionante”, que quando eu e a minha irmã
Paula respirávamos finalmente por “aquela coisa” ir parar, tivemos uma volta
extra anunciada no microfone de agradecimento por os nossos gritos terem
atraído tantos espectadores.
Não gostei nada da experiência, o estômago vinha colado
ao cérebro e os joelhos tremiam tanto que mal me aguentava de pé.
Em 2005 andei de “Buguie” pelas dunas do Nordeste Brasileiro – muito
emocionante segundo relato de todos os elementos que enchiam o carro. Uma vez
mais só queria ver a hora daquilo acabar.
Achei sempre que ia virar na próxima parede de areia e que nos
espatifávamos todos.
Mais radical que isso, só mesmo em 2007, quando fui buscar o meu
primeiro carro “novinho” ao stand (o anterior era em 2ª mão) e quis travar a
fundo, tendo levantado voo (sem exagero) sobre a estrada e aterrado junto à
ribeira que passava numa cota mais abaixo. Realmente sabia que ia buscar um
carro adaptado – mas não me tinha passado pela cabeça que os pedais viriam
trocados. Talvez tenha sido ignorância minha, mas na altura achei que o médico
deveria ter tido em consideração que eu nunca tinha sido deficiente física,
logo deveria ter sido devidamente elucidada sobre o assunto.
Ainda hoje tenho bem presentes os gritos de pavor do pobre do vendedor
sentado no banco do pendura. Na aterragem os nervos fizeram-me ter um enorme
ataque de riso – enquanto ele me olhava incrédulo e gritava:
“É louca meu Deus…ela é louca…”
E devo ser…pelas incongruências com que analiso a minha vida.
Tinha pavor de alturas. Quando me mudei para este 4º andar não conseguia
espreitar na varanda nem nas janelas sem que o estômago ficasse revolto e a
cabeça tonta. Agora consigo caminhar sobre o chão de vidro do Cabo Girão, 580m
acima do nível do mar, sem sentir tontura alguma.
Tinha medo de morrer afogada, mas saímos de Cascais em dia de temporal
num barquinho de fibra, de 5m com vagas que passavam sobre ele, para ir pescar
ao Cabo da Roca, tendo sido intersectados pela polícia marítima por termos
passado (sem saber) a barra que estava fechada – éramos o único
barco que tinha saído nessa manhã.
Tinha medo de túneis e de tudo o que me tapasse a cabeça, nem que fosse
um lençol – sempre achei que morreria com falta de ar. Mas fiz mergulho nos
corais, com botija de oxigénio, agarrada a um miúdo que não conhecia, sem que
antes tivesse experimentado mergulhar.
Podia continuar a analisar…teria centenas de peripécias de uma vida de
aventura, desde férias à boleia por esgotarmos o ultimo tostão a mais de 90Km
de casa, descida de rio em caiaque, campismo selvagem nas margens dos rios ou
nas arribas junto ao mar, descidas e escaladas de precipícios como o Guincho
Velho ou a Roca, para um dia ou uma noite de pesca, etc. – de tudo um pouco na
idade certa. Tenho uma vida “cheia”.
Confesso que continuo “menina medricas”, que tem medo de dormir
sozinha em casa, que foge de zonas escuras e isoladas, que tem medo de uma
galinha, ou de qualquer bicho que não pareça cão ou gato e foge de todos os insectos.
Sou “menina” em todos os aspectos, pois não resisto a uma gargalhada,
mas desfaço-me com uma lágrima.
Embora muitos me julguem forte, não passo de uma “piegas” como diz quem
me conhece bem.
A minha estranha loucura
É não resistir ao que me desafia.
Benvinda Neves
Julho 2014
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