Mana, tenho uma coisa terrível para te contar:
"tentaram matar-me o filho,
não conseguiram, porque impedi, mas acabaram por me matar a neta.
Tenho uma dor enorme, por não ter podido impedi-los".
É a guerra da Ucrânia que passa nos noticiários
e desperta a guerra do ultramar, vivida na infância,
quando o pai deu o corpo às balas para salvar a vida do filho.
É o eco da vida que tocamos para a frente
e que acorda dentro de nós e nos domina nos momentos
em que não controlamos a mente.
Dois AVC e um tumor cerebral,
fazem com que a realidade e a imaginação se misturem
e alternem momentos de grande lucidez,
com momentos de dor e muito sofrimento.
Curiosamente, o passado está intacto, com memórias que ficaram
e que ao recordar nos trazem sorrisos aos dois.
Já o presente, vem muitas vezes carregado de dor,
assombrado por alucinações que lhe parecem tão reais
e que não consigo desconstruir, por muito que tente.
"Sabes mana, não estava nada preparado para isto.
Nunca pensei que os meus dias terminassem assim".
Faço-lhe uma festinha no rosto e não consigo dizer nada.
Quem estaria preparado?...
Qual de nós imagina o seu mundo reduzido a uma cama
e quatro paredes, com a mente povoada de pesadelos?
Sabe sempre quem sou, mesmo que esteja a dormir,
basta murmurar o seu nome, para me dizer,
mesmo de olhos fechados:
"que bom mana, estás cá".
Outro dia perguntei-lhe se conseguia ver-me,
dado que o tumor o deixou praticamente cego.
"Não preciso ver-te, és a minha mana linda,
que estará sempre dentro da minha cabeça.
Vejo-te sempre que quero."
A sua personalidade mantem-se.
Continua o homem trabalhador, cansado, porque acabou de vir da obra,
o sedutor irresistível por quem as auxiliares e enfermeiras se enciúmam,
o pai e avô babado que adora a família,
preocupa-se com os cuidados de higiene e alimentação,
sobre os quais faz ponderações muito assertivas
e pergunta-me por vários amigos comuns.
É uma viagem "turbulenta,"
para a qual nenhum de nós estará alguma vez preparado.
Quem me dera que cabeça lhe trouxesse
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