domingo, 5 de dezembro de 2021

Um misto de "agridoce"...

Fomos finalmente visitar a mãe adotiva,

que não víamos desde que a pandemia começou

e as restrições chegaram.

A sua irmã e cuidadora, não achava prudente as visitas

e respeitamos a sua prudência,

enquanto esperamos esperançados, que o vírus sumisse.

Mas as vagas de covid sucedem-se com novas estripes 

e o  tempo corre e somem-se os dias, evaporando-se o tempo.

Depois de ao telefone obter mais uma resposta hesitante, 

confessei o meu receio de que a mãe devido ao 

avançado estado de alzheimer já não nos reconhecesse

e do desgosto de nunca nos chegarmos a despedir com "memória".

Foi assim que hoje, sempre  com mascaras,

pudemos rever a mãe. 

Inicialmente muito ausente, olhar perdido no infinito,

rosto inexpressivo, os pensamentos num mundo que não o nosso,

não nos reconheceu. Ficamos tão tristes.

Enquanto conversávamos, talvez pelo timbre das vozes,

olhou-nos fixamente 

e de repente o rosto iluminou-se de alegria e a sorrir disse:

"Benvinda e Francisco, os meus filhos - estou tão feliz".

Mais dois momentos de lucidez,

em que ainda tive tempo para lhe dizer

 que estava bonita assim a sorrir para nós, 

o que agradeceu e lhe fez brilhar ainda mais os olhos

e o reconhecimento de que tinha na irmã um amor incondicional.

Voltaram a iluminar-se os olhos 

para repetir que estava tão feliz com a visita dos filhos

e de repente o olhar ausente 

disse-nos que regressou ao seu mundo perdido.

Um misto de "agridoce"...

  A tristeza enorme de a vermos incapacitada 

e a alegria de sabermos que nos reconheceu 

e que pelo menos por momentos lhe levamos felicidade.

Nenhum de nós adivinha o amanhã,

mas suplicamos a Deus que até ao fim dos nossos dias,

nos dê a capacidade de sabermos quem somos

e que mesmo quando os outros não nos reconhecem,

tenhamos a sensibilidade de não esquecermos quem são.

É dificil gerir a pandemia - sobretudo para quem tem  morbidades

ou a responsabilidade de ter a seu cargo pessoas idosas e frágeis.

Também nós, apesar das vacinas e dos cuidados básicos,

temos os receios inerentes à luta contra o inimigo invisível

e o medo de nos sentirmos hipotéticos transmissores. 

Hoje foi mesmo um misto agridoce, sendo que

 nos sentimos felizes por vermos a mãe feliz.

Ainda que a doença,

 nos últimos dias com acentuado agravamento,

lhe roube por completo os momentos de lucidez,

saberemos que por hoje se sentiu feliz.

A nossa felicidade é um puzzle diário, 

feito dos pedacinhos da felicidade que oferecemos.


Benvinda Neves

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