Fomos finalmente visitar a mãe adotiva,
que não víamos desde que a pandemia começou
e as restrições chegaram.
A sua irmã e cuidadora, não achava prudente as visitas
e respeitamos a sua prudência,
enquanto esperamos esperançados, que o vírus sumisse.
Mas as vagas de covid sucedem-se com novas estripes
e o tempo corre e somem-se os dias, evaporando-se o tempo.
Depois de ao telefone obter mais uma resposta hesitante,
confessei o meu receio de que a mãe devido ao
avançado estado de alzheimer já não nos reconhecesse
e do desgosto de nunca nos chegarmos a despedir com "memória".
Foi assim que hoje, sempre com mascaras,
pudemos rever a mãe.
Inicialmente muito ausente, olhar perdido no infinito,
rosto inexpressivo, os pensamentos num mundo que não o nosso,
não nos reconheceu. Ficamos tão tristes.
Enquanto conversávamos, talvez pelo timbre das vozes,
olhou-nos fixamente
e de repente o rosto iluminou-se de alegria e a sorrir disse:
"Benvinda e Francisco, os meus filhos - estou tão feliz".
Mais dois momentos de lucidez,
em que ainda tive tempo para lhe dizer
que estava bonita assim a sorrir para nós,
o que agradeceu e lhe fez brilhar ainda mais os olhos
e o reconhecimento de que tinha na irmã um amor incondicional.
Voltaram a iluminar-se os olhos
para repetir que estava tão feliz com a visita dos filhos
e de repente o olhar ausente
disse-nos que regressou ao seu mundo perdido.
Um misto de "agridoce"...
A tristeza enorme de a vermos incapacitada
e a alegria de sabermos que nos reconheceu
e que pelo menos por momentos lhe levamos felicidade.
Nenhum de nós adivinha o amanhã,
mas suplicamos a Deus que até ao fim dos nossos dias,
nos dê a capacidade de sabermos quem somos
e que mesmo quando os outros não nos reconhecem,
tenhamos a sensibilidade de não esquecermos quem são.
É dificil gerir a pandemia - sobretudo para quem tem morbidades
ou a responsabilidade de ter a seu cargo pessoas idosas e frágeis.
Também nós, apesar das vacinas e dos cuidados básicos,
temos os receios inerentes à luta contra o inimigo invisível
e o medo de nos sentirmos hipotéticos transmissores.
Hoje foi mesmo um misto agridoce, sendo que
nos sentimos felizes por vermos a mãe feliz.
Ainda que a doença,
nos últimos dias com acentuado agravamento,
lhe roube por completo os momentos de lucidez,
saberemos que por hoje se sentiu feliz.
A nossa felicidade é um puzzle diário,
feito dos pedacinhos da felicidade que oferecemos.
Benvinda Neves
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